Solidão envelhece e aumenta taxa de mortalidade, aponta pesquisa
Levantamento com 280 mil adultos utilizou modelo de IA-ECG desenvolvido na Mayo Clinic

26/04/2024 - 08:04

Um novo estudo da Mayo Clinic constatou que pessoas socialmente isoladas são mais propensas a apresentarem sinais de serem mais velhas biologicamente do que a sua verdadeira idade e mais propensas a morrerem por uma variedade de causas. A pesquisa publicada pelo Journal of the American College of Cardiology: Advances, sugere que os vínculos sociais desempenham um papel importante na saúde física no geral e na longevidade, e devem ser levados em consideração como uma parte necessária das determinantes sociais da saúde.

Para investigar o papel do contato social no envelhecimento biológico, pesquisadores compararam o Índice de Rede Social com o eletrocardiograma com IA (IA-ECG) – diferenças previstas nas idade dos mais de 280 mil adultos que receberam atendimento ambulatorial entre junho de 2019 e março de 2022. Os participantes selecionados preencheram um questionário sobre as determinantes sociais da saúde e tiveram registros do IA-ECG, independente do estudo, arquivados no prazo de um ano.

Idade biológica do coração
Um modelo de IA-ECG desenvolvido na Mayo Clinic foi utilizado para determinar a idade biológica que, posteriormente, foi comparada à idade cronológica. Uma pesquisa anterior revelou que a determinação da idade feita pelo IA-ECG representa a idade biológica do coração. Uma diferença de idade positiva indica um envelhecimento biológico acelerado, enquanto um valor negativo sugere um envelhecimento biológico mais lento. 

Os pesquisadores avaliaram o isolamento social utilizando o Índice de Rede Social que realiza seis perguntas distintas de múltipla escolha relacionadas a essas áreas de interação social:

• Pertencer a qualquer clube ou organização social

• Frequência na participação em atividades sociais por ano

• Frequência de conversas ao telefone com familiares e amigos por semana

• Frequência na participação de igreja ou serviços religiosos por ano

• Frequência de reuniões com amigos ou familiares pessoalmente por semana

• Estado civil ou viver com um parceiro

Cada resposta recebeu uma pontuação de 0 ou 1, e a pontuação total variavam de 0 a 4, representando diferentes graus de isolamento social.

Os participantes com uma pontuação mais alta no Índice de Rede Social — o que indica uma melhor vida social — apresentaram uma diferença de idade menor no IA-ECG, algo que se manteve presente em todos os grupos de gênero e idade. O status da rede social influenciou significativamente o risco de mortalidade. 

Durante o período de acompanhamento de dois anos, aproximadamente 5% dos participantes faleceram. Aqueles que tiveram baixas pontuações, menores ou iguais a 1, no Índice de Rede Social, apresentaram um maior risco de morte em comparação a outros grupos.

Enquanto os participantes eram 86,3% brancos não hispânicos, os dados do estudo apontaram para as disparidades de saúde existentes. Os participantes não brancos apresentaram diferenças de idade médias mais elevadas do que os seus colegas brancos, especialmente aqueles com pontuações mais baixas no Índice de Rede Social.

"Este estudo destaca a interação crítica entre isolamento social, saúde e envelhecimento", diz Amir Lerman, cardiologista da Mayo Clinic e autor sênior do artigo. "O isolamento social combinado com condições demográficas e médicas parece ser um fator de risco significativo para o envelhecimento acelerado. Contudo, sabemos que as pessoas podem mudar seu comportamento — ter mais interação social, exercitar-se regularmente, ter uma dieta saudável, parar de fumar, dormir adequadamente etc. Fazer e sustentar essas mudanças pode ajudar muito a melhorar a saúde no geral."

Solidão aumenta o risco de a pessoa adoecer e morrer 

As taxas de mortalidade e de doenças cardiovasculares, entre outras, são mais altas em quem tem menos contatos sociais

solidão vem deixando de ser vista como um problema pessoal para se tornar uma questão de saúde pública. Cada vez mais pesquisas mostram que a falta de conexões sociais está associada a diversas doenças e vem sendo considerada um fator de risco comparável aos danos do fumo e da obesidade. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o isolamento social está se tornando uma verdadeira epidemia, afetando um em cada quatro adultos e algo entre 5 e 15% dos jovens em todos os países.

Ainda segundo a OMS, a solidão é capaz de aumentar em 25% o risco de morte, em 50% o de demência e 30% o de doença cardiovascular. Não à toa, a OMS acaba de criar uma Comissão de Conexões Sociais com o objetivo de reconhecer o tema como uma prioridade global e propor soluções.

Vários estudos já sugerem o impacto da solidão na saúde, mas o assunto ganhou mais visibilidade após a publicação de um artigo mostrando pela primeira vez que o fenômeno atinge jovens e idosos em todo o planeta, dos países ricos aos mais pobres, em zonas rurais e urbanas. A falta de contato com familiares ou de participação em atividades em grupo, entre outros fatores, foi associada ao aumento da mortalidade, de doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral e pneumonias.

No ano passado, uma megarrevisão de estudos, envolvendo mais de 1 milhão de pessoas e publicada no PLOS One, revelou o aumento de 33% de mortalidade por todas as causas em pessoas solitárias, dado reforçado por outro estudo, Journal of Aging and Health, com quase 8 mil idosos.

A solidão está associada a hábitos ruins

Essas pesquisas sugerem que pessoas com pouco contato social apresentam mais comportamentos não saudáveis – por exemplo, fazem menos atividade física, se alimentam pior, consomem álcool e cigarro em excesso, acabam não tomando os medicamentos corretamente ou fazendo consultas de rotina. Além disso, há impacto na autoestima e maior risco de problemas mentais, como depressão e ansiedade.

“Esses estudos se basearam nas chamadas ‘blue zones’ (regiões no planeta em que há maior número de idosos centenários), já que nesses locais a interação social é muito relevante e contribui para longevidade dos idosos”, conta a geriatra Maysa Seabra Cendoroglo, do Hospital Israelita Albert Einstein e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Esses idosos, por exemplo, tinham grupos com responsabilidades sobre amigos e colegas, formando uma rede.

Nesse sentido, os países ricos estão conseguindo criar mais políticas públicas para enfrentar o problema. É o caso de iniciativas como a campanha pelo fim da solidão lançada na Inglaterra, que também tem um ministério dedicado ao tema, e a cidade de Barcelona, que tem um plano com estratégias bem definidas para os próximos anos.

“O Brasil envelheceu e só agora estamos nos dando conta disso. Infelizmente ainda há restrições à participação do idoso na sociedade e o país não pode mais se esconder na sua fama de acolhedor, já que os estudos mostram que a solidão é um problema por aqui também”, diz a especialista. “Esse cenário só vai mudar quando os mais velhos puderem se inserir mais e participar em diversos trabalhos e atividades.”

Solidão x isolamento social

Embora sejam parecidos, eles não são a mesma coisa. A pessoa pode se sentir sozinha mesmo estando rodeada de gente – os cientistas atestam que tanto o sentimento de solidão quanto o próprio isolamento social adoecem.

“A solidão é inerente ao ser humano, mas ela se acentua quando a pessoa não encontra no seu contexto nada significativo ou pessoas que reflitam seus valores”, diz a geriatra do Einstein. “Quanto mais interações sociais, menos solidão. Quanto mais a pessoa se arrisca, maior a chance de encontrar afinidades e de se sentir acolhido. Isso deve ser um estímulo para novas oportunidades.”

Nem sempre se pode contar com a família por perto, mas sempre é possível fazer novos contatos e amizades. Por isso, recomenda-se participar de programas de comunidades religiosas, centros esportivos, associações de bairro e de unidades que ofereçam atividades para esse público – e até trabalhos voluntários, por exemplo.

Também é preciso zelar pela qualidade das relações. Nesse sentido, as redes sociais, segundo a médica, podem tanto ajudar quanto atrapalhar. “Ao mesmo tempo que facilitam as conexões, é preciso atenção para não perder tempo interagindo ou se deixando afetar por opiniões de pessoas que não agregam nada à sua vida.”

 

Foto e crédito: Adobe Stock // Site Terra // CNN Brasil

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